sábado, 11 de setembro de 2010

Há notícias que tememos ouvir e – mesmo quando as julgamos iminentes - olhamos para o lado, na doce ilusão de que elas permanecem apagadas longe da nossa realidade. Infelizmente, elas acabam sempre por chegar, como desfecho inelutável do inventário dos dias.








Desta vez, a triste narrativa informativa da morte tinha um nome, um rosto, uma identidade: Frei João Domingos, membro da congregação dos padres dominicanos do Rosário, morreu na madrugada segunda-feira em Lisboa, Portugal, vítima de um Acidente Cardiovascular Cerebral, vulgo AVC.







A notícia, confesso, caiu como um balde de água fria. Logo, a minha memória deteve o seu passo para um registo afectivo, em grande plano.







Abro, por isso, uma clareira neste jornal para me debruçar sobre o desaparecimento físico do frei João Domingos, um homem nascido há setenta e sete anos na aldeia de Torre (Portugal), que iniciou os seus estudos bíblicos no conselho da paroquia do Sabugal, distrito da Guarda.







E, assim, veio ao meu encontro o rosto sereno e o sorriso bondoso de Frei João Domingos. A memória da minha memória convocou o seu abraço fraternal, a suas palavras, a sua critica, o seu olhar terno sobre os problemas do nosso País, sobre os mais desfavorecidos, sobretudo aquilo que, afinal, são os problemas de Angola.







Na esteira daquilo que é a doutrina social da Igreja Católica, penso que o frei João Domingos fez da pedagogia, da sua biografia de professor e de sacerdote, um acto de amor para Angola e para os angolanos. Que disso, ninguém duvide!







Nessa sua nobre empresa, o frei João Domingos, homem descendente de pastores e agricultores, incorporou no seio da nossa sociedade a ideia da necessidade premente da formação do novo homem angolano.







A sua intervenção pública e ajudou, em diversas vezes, o Executivo a rever as suas acções em relação aos mais desfavorecidos.







Dizer que despertou consciências para aquilo que são liberdades e direitos, aliando sempre o sonho a uma Angola melhor, é dizer uma verdade que as ilustram de forma absoluta, tornando-o, assim, companheiro inesquecível de milhares de angolanos, que agora choram o facto de o mesmo ter, desde segunda-feira última, a sua alma a dormir, depois de muito ter dado de si a este povo e a este País.







Dos seus discursos emergiram sempre realidades onde a sensibilidade social jogou sempre um papel importante, determinante mesmo na chamada de atenção de muitas instituições e diferentes pessoas colectivas que vezes sem conta (e conta sem vezes) se mostravam insensíveis para a situação dos angolanos mais necessitados.







Ao seu dote de grande orador, o frei João domingos aliava à sua imaginação a uma notável capacidade de observação da nossa realidade, da realidade do nosso País e dos mais desafortunados.







Guardo do frei João Domingos a ideia de um homem de uma educação esmerada, de uma atenção amável e sensível, às questões que, durante às quatro vezes que o entrevistei, que preocupavam todos aqueles que, nosso País, contam apenas com uma refeição por dia.







O frei João Domingos lutava contra a sombra da desigualdade que existe no nosso País. Por isso, o seu Direito à Indignação devido à miséria franciscana de alguns (mas quase todos) angolanos, era uma prosa que despertava a sensibilidade e atenção de todos os que tinham a oportunidade de ouvi-lo pregar.







Recordo tudo isso porque nesse pequeno apontamento, está toda a grandeza do frei João Domingos. Ainda antes de ter partido para Portugal onde agora vai dar o seu corpo ao chão, vimos e ouvimo-lo a conceder uma interessante entrevista à TV Zimbo.







Durante a entrevista, falou, entre outras coisas, da necessidade de os angolanos em geral mudarem o seu coração para que pudéssemos pacificar os espíritos de todos os angolanos.







Lembro-me bem. Era como se o tempo estivesse contido naqueles instantes. Havia o sorriso bondoso do frei João Domingos. A memória deteve o passo.







O seu rosto está mais nítido na lembrança que se esfuma. Calou-se a voz de frei João Domingos, que, na verdade, era o Dom Quixote que, nestes tempos do nosso tempo, os angolanos que amam a liberdade, a verdade e Justiça Social jamais esquecerão.







Adeus frei João Domingos. Até um dia, nas esquinas desta ou ainda de uma outra vida que o Criador nos reserva!







Assinou Jorge Eurico